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Heloísa Lück: “A escola tem a cara de seu diretor”

portal-professorEm entrevista ao Jornal do Professor, a professora Heloísa Lück traça um panorama da administração praticada nas escolas brasileiras, ressaltando a importância dos diretores para o desempenho escolar dos alunos.

Segundo ela, que é consultora do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), o mote “a escola tem a cara de seu diretor” descreve bem o que se passa nas escolas. “O diretor escolar é o responsável pela liderança, organização, monitoramento e avaliação de tudo que acontece na escola”, acredita.

Com vasta experiência em administração de sistemas educacionais, Lück se dedica a estudar o assunto há mais de 25 anos. Possui mestrado em Educação e em Humanidades pela Universidade de Columbia, além de doutorado em Educação na mesma instituição.

 

JP. Como a senhora avalia a gestão praticada nas escolas brasileiras hoje em dia?

HL- As práticas de gestão nas escolas que apresentam a melhoria dos resultados educacionais têm sido realizada mediante grande empenho, criatividade e liderança de seus gestores, em especial de seus diretores. Há nessas escolas um esforço no sentido de promover consenso e direcionamento centrado na realização de objetivos educacionais claramente compreendidos, há envolvimento dos pais na gestão da escola e seu acompanhamento à escolaridade dos filhos, assim como também a abertura da escola para a comunidade. Mas, sobretudo, a participação efetiva dos diretores escolares no acompanhamento do processo ensino aprendizagem, observação da sua efetivação na sala de aula, acompanhados de feedback, de modo a promover as mudanças necessárias para que os alunos aprendam mais.

No entanto, apesar desses aspectos altamente animadores, somos obrigados a reconhecer que, em geral, faltam aos gestores visão de conjunto, articulação entre os vários segmentos de atuação da escola e o empenho em enfrentar os desafios da gestão de comunidades escolares que apresentam, naturalmente, tensões, conflitos, dificuldades e limitações. Infelizmente, somos obrigados a reconhecer que falta profissionalização dos diretores escolares. Por profissionalização, entendemos o desenvolvimento gradual e contínuo de competências (conhecimentos, habilidades e atitudes), necessários para assumir responsabilidades de um trabalho específico e complexo, e a sua aplicação efetiva nesse trabalho. Temos muito que caminhar para que as nossas escolas públicas tenham uma cultura de gestão escolar efetiva, baseada em critérios de competência tanto da gestão, como de todos os segmentos de atuação da escola, promovida por essa gestão. Precisamos assentar a gestão da escola sobre a definição de planos consistentes de ação, com respectivos parâmetros de qualidade a serem continuamente monitorados e avaliados.

 

2.De que maneira os diretores escolares podem contribuir para a melhoria da qualidade da educação?

HL- A qualidade da educação é resultado de um conjunto de fatores internos e externos à escola. Não podemos deixar de considerar que os elementos externos, como por exemplo, as intervenções dos sistemas ou redes de ensino correspondentes exercem uma influência significativa sobre o estabelecimento de ensino, e nem sempre de caráter produtivo. Dentre os fatores internos, é de significativa importância a atuação do diretor escolar, uma vez que esse profissional é o responsável pela liderança, organização, monitoramento e avaliação de tudo que acontece na escola e muitas vezes até, à revelia, ou desconsiderando o que foi determinado pela rede ou sistema de ensino a que se subordina. O mote comumente repetido de que “a escola tem a cara de seu diretor” é corroborado por pesquisas que revelam como uma escola muda seu modo de ser e de fazer, de um ano para outro, a partir da mudança de sua direção. A partir dessa condição se conclui que não bastam outras alterações na escola, se elas não passarem pela melhoria da atuação do diretor. O diretor escolar é, por assim dizer a cabeça que filtra as estimulações externas da escola e por sua liderança imprime um modo de ser e de fazer na escola. Portanto, cabe ao diretor escolar, ao assumir as responsabilidades pela gestão da escola, preparar-se para esse exercício e, durante o mesmo, estar atento às oportunidades diárias de sistematização de conhecimentos específicos desse trabalho e desenvolvimento de competências.

 

3.Quais os principais fatores que devem nortear o trabalho de diretores escolares?

HL- Quem assume os desafios de gestão escolar, como diretor, avoca a si responsabilidades especiais. Resumir aqui os principais fatores é temerário, pois as perspectivas dessa abordagem são múltiplas. Porém, podemos indicar algumas questões cruciais. Em primeiro lugar, o entendimento de que enfrentar problemas é a questão mais natural do trabalho educacional com pessoas, pois educação pressupõe desenvolvimento, mudança e esforço nesse sentido. Lamentar que eles existam representa negá-los e, dessa forma apresentar uma reação negativa em relação a eles. Aceitá-los, assumi-los, estar atentos à sua ocorrência e trabalhar para superá-los constituem condição do trabalho da gestão. Atuar com essa perspectiva representa promover processo educacional de qualidade e também desenvolver competências de gestão. Em segundo lugar apontaríamos a sensibilidade para o modo como as pessoas percebem e interpretam a escola, o processo educacional em todos os seus desdobramentos, e o seu papel pessoal no conjunto e as especificidades desse processo. Isso porque as pessoas atuam a partir dessa interpretação. Como gestão pressupõe um processo de mudança, esta apenas se processa a partir da mudança dessas interpretações. Outro aspecto importante diz respeito à clareza do foco do trabalho que é a aprendizagem e formação dos alunos, para cuja promoção tudo o que se realiza na escola deve estar voltado. Vale dizer que, de todas as dimensões da gestão escolar, a pedagógica deve ser a central, para a qual todas as demais devem convergir. Outro fator é o processo contínuo de organização da escola, monitoramento e avaliação contínuos de seu plano de ação, de modo a promover seu aprimoramento contínuo. Tudo realizado com elevado espírito de comprometimento e liderança.

 

4.A gestão democrática das escolas, citada na LDB e na Constituição Federal, é sempre muito debatida. O que caracteriza este modelo de administração?

HL- A gestão democrática constitui-se em determinação explicitada tanto na Constituição Federal, como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ela pressupõe uma escola participativa, marcada pelos princípios de inclusão e de qualidade para todos. Podemos dizer que ainda estamos aprendendo democracia e que temos uma visão insuficiente e até mesmo distorcida a respeito desse importante componente político dos processos sociais em nossas instituições (não apenas nas escolares). Cremos, limitadamente, que democracia se faz, sobretudo, com eleição de representantes e não com a participação de todos para a construção de um projeto comum. Democracia na escola constitui o seu fortalecimento institucional como unidade social capaz de assumir suas responsabilidades, de forma compartilhada e participativa, com transparência e orientação para que todos cresçam como cidadãos nesse processo. É esse foco da gestão democrática, e é fazendo isso que a escola constrói e conquista a sua autonomia. Observamos, no entanto que,em nome da gestão democrática, entendida inadequadamente, pratica-se na escola a falta de organização de ordem, de sentido comum, de cumprimento das responsabilidades sociais da escola. É bom lembrar que democracia pressupõe ordem e organização e é o seu estabelecimento no interior da escola, voltado para a formação da cidadania e aprendizagem que é o foco do trabalho do diretor escolar.

 

5.Qual a importância de se criar um projeto político-pedagógico para a escola? Ele deve ser revisado todo ano?

HL- O projeto político-pedagógico da escola, produzido de forma compartilhada por todos os participantes da comunidade escolar, constitui-se em um mecanismo em torno do qual três importantes vertentes emergem: i) são construídos consensos, unidade de ação e compromissos, fundamentados por valores, princípios e diretrizes sólidos. ii) é definido um instrumento de trabalho, a partir do qual são especificados os ritmos constantes de ação, a sua natureza e os seus resultados respectivos; e iii) são estabelecidos os critérios de verificação da efetividade do trabalho realizado. O projeto político pedagógico é, portanto, fundamental para nortear o trabalho da escola, dando-lhe unidade, direcionamento e consistência. A partir dele a atuação de todos os profissionais da escola é balizada. Esse projeto, que incorpora o currículo a que os alunos devem ser expostos, deve ter uma característica dinâmica, e ser delineado e revisado continuamente, levando em consideração o estudo aprofundado dos fundamentos, disposições legais e metodologias apropriadas à organização educacional para a formação e aprendizagem dos alunos; a evolução do mundo contemporâneo, mediato e imediato; as características histórico-culturais da comunidade em que a escola está inserida, e da própria escola em seu trabalho sócio-educacional; as características e necessidades de desenvolvimento dos alunos dentre outros aspectos.

 

6.A gestão escolar perpassa três esferas administrativas: a financeira, a pessoal e a pedagógica. De que maneira os diretores escolares podem conciliar a gestão das três áreas.

HL – Deve-se reconhecer que sem essa conciliação, não se realiza a gestão. Isso porque a gestão pressupõe a articulação de todos os componentes que interferem na realização do trabalho educacional. Aliás, é bom lembrar que o trabalho isolado e até mesmo desarticulado em cada uma dessas dimensões caracteriza um ativismo fragmentado da promoção de resultados e, em conseqüência, que representa enorme prejuízo educacional, com gastos de tempo, esforços e recursos, sem melhoria da qualidade do ensino. É bom lembrar que a gestão financeira e a gestão de pessoas devem convergir para a gestão pedagógica que focaliza diretamente os objetivos educacionais de formação e aprendizagem dos alunos. Essa conciliação é feita mediante a adoção de uma ótica interativa superadora do valor em si de cada dimensão da gestão, tal como apresentado em um livro que escrevi sobre a questão: “Gestão educacional: uma questão paradigmática”, publicado pela Editora Vozes.

 

7.Qual a função dos conselhos escolares na gestão de um colégio?

HL- O conselho escolar é um órgão colegiado e um mecanismo de gestão democrática. A gestão colegiada se realiza formalmente na escola a partir de órgãos colegiados, como os conselhos escolares, as associações de pais e mestres, os grêmios estudantis, que se constituem em espaços efetivos de participação da comunidade escolar na gestão da escola. Essa participação constitui-se em condição fundamental no sentido de tornar a escola uma efetiva unidade social de promoção da educação, apenas plenamente possível mediante a participação da comunidade, segundo o princípio de que é necessária toda uma comunidade para educar uma criança. Originariamente, na introdução de colegiados escolares, nas escolas públicas brasileiras, as associações de pais e mestres (APMs) e das caixas escolares foram as mais praticadas, tendo apenas recentemente ganho reforço a instituição de conselhos escolares, a partir de política do MEC, que preparou uma material muito bom para orientar esse trabalho. Embora sejam reconhecidas as contribuições dessas entidades à gestão escolar, reconhece-se também a necessidade de avanços no processo participativo, particularmente no sentido de uma nova concepção da escola como unidade básica pedagógica, gestora e financeira, gerida colegiadamente, mediante a participação de professores, pais e comunidade. Cabe destacar que a participação na gestão da escola implica no poder real dos participantes da comunidade escolar, de tomar parte ativa no processo educacional. No entanto, essa participação se expressa para além da participação nos órgãos colegiados, pois ela pode dar-se a partir de um leque variado de possibilidades, e em inúmeras atividades cotidianas do fazer pedagógico da escola.

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