COMO FORMAR REDE DE ESCOLAS SOLIDÁRIAS
“Um galo sozinho não tece a manhã:
ele precisa
sempre de outros galos…
para que a manhã se vá tecendo,
desde uma teia tênue,
entre todos os galos.”
Cantiga popular – Ceará
RESUMO
A parceria, a formação de redes, o intercâmbio e a troca de experiências entre escolas são considerados como condição fundamental para que realize o seu trabalho educacional. Esse processo é colocado o contexto de uma prática milenar: a da solidariedade, sem a qual as redes de parcerias se transformam em meros negócios, ou em formalidades vazias de significado educativo e transformador. De modo a contribuir para o entendimento de possibilidades e atuação sobre tal condição, são analisadas perspectivas e demandas para a formação de redes, no contexto de um mundo em transformação; é analisado o sentido de solidariedade e suas implicações quanto à educação e as parcerias educacionais, assim como pressupostos, princípios e estratégias orientadores do estabelecimento dessas redes e os fundamentos e práticas da solidariedade como um conceito fundamental para orientar a vida humana.
PALAVRAS CHAVE
Formação de redes, escolas solidárias;
INTRODUÇÃO
As escolas e os profissionais da educação enfrentam, a cada dia, novos e mais instigantes desafios de envolver seus alunos em experiências educacionais significativas para a sua formação. Os projetos educacionais delineados nas escolas, respondendo aos desafios e às demandas de uma sociedade que se sofistica e se diversifica, concomitantemente à sua globalização e seu desenvolvimento científico e tecnológico, estabelecem novas responsabilidades educacionais, como por exemplo, a de oferecer aos alunos ambiente escolar desafiador, capaz de estimular e orientar sua curiosidade para que conheçam o mundo e se conheçam nesse mundo. A partir desse conhecimento, propõem-se a tornar os alunos capazes de resolver problemas, atuar em equipe, ser empreendedores, alargar seus horizontes pessoais e culturais, dentre outros aspectos. Tal proposição demanda visão abrangente, experiência fundamentada e perspectivas inovadoras, perspicácia e compromisso com resultados educacionais.
Verifica-se, pois, uma crescente demanda pela renovação da escola quanto à renovação de seu currículo, atualização de seus processos e dos métodos e tecnologia para sua efetivação, assim como a contínua capacitação de seus profissionais. No entanto, ao mesmo tempo em que os profissionais da educação se defrontam com essas demandas e desafios, enfrentam também circunstâncias problemáticas igualmente instigadoras, como por exemplo, casos de tensão de relacionamento entre profissionais e o corpo diretivo das instituições educacionais, assim como entre escola e famílias; dificuldades de profissionais em manterem-se atualizados para o seu exercício profissional; expressão de comportamentos agressivos entre jovens e o seu espírito de contestação e irritabilidade; a falta de motivação para a aprendizagem escolar e, até mesmo, a própria falta de orientação de todos, incluindo os profissionais da educação, pelo ideário educacional.
Tendo em vista as situações complexas, adversas e, em certas condições problemáticas e diante, portanto, do aumento da responsabilidade pela educação, em paralelo ao aumento dos seus desafios, percebe-se, muitas vezes, a expressão de perplexidade e até mesmo, de imobilidade dos profissionais da educação no enfrentamento de seu trabalho.
Portanto, ao se verem diante de novos desafios na efetivação de seu trabalho e de suas escolas, além da necessidade de desenvolvimento da qualidade do seu ensino, os educadores sentem que não bastam as competências tradicionais que eram consideradas como fundamentais para a qualidade do ensino. Essas funcionavam em um mundo com poucas mudanças, que ocorriam muito lentamente; em um mundo conservador, em que a educação era uma virtude e necessidade de uma elite; um mundo em que a educação seria orientada para legitimar papéis e funções na sociedade e não para abrir espaço nessa sociedade e, até mesmo, contribuir para a sua transformação. Em um mundo considerado como dado e certo, os profissionais e as escolas podiam voltar-se para si mesmos e para dentro de suas organizações, como estratégia para o melhor enfrentamento aos problemas vivenciados. Atualmente, precisam abrir-se para o mundo mediante o estreitamento de relações, a troca, a reciprocidade e o intercâmbio.
Diante de uma nova ordem de coisas e situações, caracterizadas pela dinâmica, pela maior exigência da participação competente, as instituições de ensino, como ocorre com todo tipo de organizações, são desafiadas a voltar-se para o seu ambiente externo, e não apenas o próximo, como também o mais distante. Essa estratégia depende, no entanto, para seu sucesso, da prática de uma cultura de rede, que pressupõe um contínuo intercâmbio e inter-relação, para o desenvolvimento de um ideário conjunto.
De modo a contribuir para o entendimento de possibilidades e atuação sobre tal demanda, neste artigo são analisadas perspectivas e demandas para a formação de redes, no contexto de um mundo em transformação, é analisado o sentido de solidariedade e suas implicações quanto à educação e as parcerias educacionais, assim como pressupostos, princípios e estratégias orientadores do estabelecimento dessas redes e os fundamentos e práticas da solidariedade como um conceito fundamental para orientar a vida humana.
A parceria, a formação de redes, o intercâmbio e a troca são considerados como condição fundamental para a formação do ser humano como pessoa plena, e são colocadas no contexto de uma prática milenar: a da solidariedade, sem a qual as redes de parcerias se transformam em meros negócios, ou formalidades vazias de significado educativo e transformador. É com este enfoque que são analisados o significado e a formação de redes e parcerias como base para o entendimento de sua expressão nesse processo solidário recíproco.
Por outro lado, a formação de redes de parceria solidária é proposta como consistindo em estratégia fundamental de interação e troca entre instituições e profissionais. No âmbito das instituições de ensino, ela constitui-se em processo pelo qual as escolas envolvidas nesse processo se apóiam reciprocamente em seu trabalho, mediante o intercâmbio de experiências e conhecimentos, de modo a melhor e mais efetivamente realizarem seus objetivos educacionais. Trata-se de uma nova perspectiva de atuação que se torna fundamental para responder às constantes necessidades de adequação à evolução e complexidade do atual ambiente sócio-econômico- cultural. A partir dessa perspectiva, promovem a transformação e melhoria contínua de suas práticas.
A partir da formação de redes, as escolas, acima de tudo, cumprem o preceito mais fundamental para o qual as instituições educacionais e seus profissionais devem se fundamentar para legitimarem o seu papel social: o de contribuição para o desenvolvimento do espírito de humanidade pelo qual, solidariamente, todos se ajudam reciprocamente a despertar e a desenvolver as dimensões pessoais e sociais que tornam a todos efetivamente seres humanos e mais plenos. Da mesma forma como praticada entre pessoas, as escolas realizam esse processo a partir do espírito de reciprocidade na realização de seus objetivos comuns.
Demanda pela formação de redes e resgate dos valores da solidariedade
Uma escola de sucesso era, não há muito tempo atrás, aquela que, fechada em si mesma, procurava preservar e perpetuar seus padrões de qualidade, de modo individual e zeloso. Professores competentes eram aqueles que se bastavam a si mesmos e julgavam-se bons profissionais trabalhando isoladamente – seu compromisso era com seus alunos e não com a escola. Esse entendimento estava associado a uma compreensão de escola não como um ambiente unitário, uma organização social e interativa de formação de alunos e promoção de sua aprendizagem, mas sim como um conjunto de turmas de alunos e serviços. Esse modelo de escola funcionou bem durante o período de tempo em que havia muito mais estabilidade e verticalização na sociedade, características orientadas por um paradigma simplificador e fragmentador.
O isolamento, o hermetismo, a conservação e a preservação de padrões convencionais de funcionamento constituíam-se em seu modo de ser e de fazer cotidiano em todos os segmentos da sociedade. As organizações em geral, tinham reserva de mercado, eram protegidas da competição, pela tradição e espírito de lealdade irrestrita e incondicional construídos ao longo do tempo, e assim, sobreviviam tranqüilamente, sem mudar seus padrões de funcionamento. Isto é, podiam ser conservadoras, não se importando muito com o que acontecia ao seu redor, nem com novos desafios e demandas. Isto porque se concebia que os elementos mais importantes de uma organização eram as suas estruturas físicas e materiais e funcionais e não as pessoas, daí porque serem adotados, de forma explícita ou implícita, em nome dos padrões e normas estabelecidos, um sistema seletivo, protecionista e elitista muito forte. Nesse contexto, cabia às pessoas adaptarem-se às organizações em que atuavam e não o contrário, e aquelas que não se enquadravam eram descartadas*.
Os tempos, porém, mudaram de forma significativa. Mudou o paradigma, e alteraram-se as demandas sobre as organizações em geral e conseqüentemente sobre as instituições educacionais. Inseridas na sociedade tecnológica e da informação, sofrem diretamente e devem responder, em seu processo educacional às suas demandas. Dentre as mudanças ocorridas registram-se o deslocamento do foco da forma de atuação, por exemplo, do princípio da permanência e continuidade, para o da mudança; do princípio dos controles internos, para o da articulação com o ambiente externo; da força que limitava o passado, para as forças que impulsionariam o futuro (Naisbitt e Aburdene, 1990). Peter Drucker (1992) afirma que tudo que deu certo até agora, está fadado ao fracasso no novo contexto das organizações, orientado pela dinâmica, pela tecnologia e pelo conhecimento e pela agregação de valor, como uma condição de sua sobrevivência. Dito de outra forma, Toffler aponta que “a primeira regra da sobrevivência é bem clara: nada é mais perigoso do que o sucesso de ontem” (1990, p. 14).
A partir de tal orientação para e pela mudança, do ponto de vista humano, são revistos os preceitos de relacionamento entre pessoas e instituições, sendo aprovados códigos de direitos humanos, a fim de serem respeitadas as pessoas em si e em sua dimensão social, impondo-se limites à exploração da atividade humana e o reconhecimento de seu direito a desenvolver-se como ser social atuante e ativo. A capacidade de atuar de forma colaborativa passa a ser não apenas um valor, mas uma necessidade e orientação no trabalho. E, finalmente, vislumbra-se nesse contexto, a necessidade de se evidenciar o espírito de solidariedade entre instituições e de se estabelecer códigos de ética entre elas (Naisbitt e Aburdene, 1987; Harman e Hormann, 1992).
O estabelecimento de redes e de parcerias passa a constituir-se em uma necessidade fundamental, que vai além da solidariedade convencional e de senso comum. Organizações que eram competidoras entre si reconhecem que seu isolamento é muito mais um problema do que uma solução. Precisam associar-se, não apenas para sobreviver, mas para também se desenvolverem. Assim é que se registram histórias diversas de sucesso entre organizações que se associaram. As experiências demonstram que quando os problemas são comuns a todos, não faz sentido isolar-se na busca de uma solução, para ver quem resolve primeiro, nem melhor. Isso porque, problemas são uma constante, são recorrentes, e surgem cada vez mais complexos, exigindo maior sofisticação em seu enfrentamento; a duplicação de esforços e a lógica de reinventar a roda apenas provocam aumento de custo, associado ao retardamento e enfraquecimento de resultados. Além do que, deixa de contribuir para o alargamento de horizontes do conjunto das organizações humanas e seus participantes.
As organizações educacionais, fazendo parte do amplo contexto sócio-econômico-cultural, não podem ser diferentes das demais organizações. Os desafios de desenvolvimento e de gestão para esse fim são basicamente e em sua essência, os mesmos, embora os objetivos específicos do seu trabalho sejam muito diferentes. Porém, sobretudo porque a própria educação pressupõe um sistema educacional, simultaneamente uno e múltiplo, segundo indicado por Dürkheim (1984) no qual existem tantas e diferentes espécies de educação, quantos diferentes meios da sociedade e esta variação pressupõe a interação para a superação de ações limitadas e ocasionais. Esse pensador reforça ainda que a educação envolve um pensamento social amplo, em vista do que não se pode pensar que seja possível promovê-la a partir de óticas e experiências restritas, sendo necessário para a observação de diferentes contextos, situações e experiências.
Assim é que os colégios e seus profissionais se defrontam com a situação de, ou se associarem, formando uma rede de apoio mútuo para enfrentarem os novos desafios e alcançarem um crescimento conjunto, ou de correrem o risco de perderem espaço e de passarem por sérios problemas de sustentação. Isolado ninguém sobrevive, num mundo em globalização. A sociedade está cada vez mais exigente sobre os resultados educacionais, uma vez que se complexifica a demanda no sentido de que as pessoas para dela participarem efetivamente, sejam capazes de competências complexas e múltiplas. Isto porque os seus processos estão se tornando cada vez mais complexos, tecnologizados, rápidos e dinâmicos. Dentre outros aspectos, a formação profissional, a inovação dos mecanismos de gestão, a dinamização do currículo escolar, a relação família-escola, o marketing institucional, a compreensão e atendimento a uma série de fatores, como o stress social que repercute nas famílias, nas crianças e nos profissionais da educação, constituem-se em algumas das questões sobre as quais os estabelecimentos de ensino e os profissionais podem, com muito proveito cooperar.
O sentido de solidariedade e suas implicações quanto à educação e parcerias
A solidariedade consiste na responsabilidade que se estabelece entre pessoas e organizações, caracterizada por laços duradouros, motivados por um reconhecimento de que, apesar de diferenças particulares, a igualdade as une. Trata-se essa responsabilidade, de laço ou ligação mútua e fraternal, motivada por um sentimento de união estabelecido pelos mesmos interesses, em vista do que as pessoas e organizações se ajudam reciprocamente. Compartilham os mesmos problemas, desafios e objetivos e com um caráter de reciprocidade, e ao mesmo tempo de interdependência, pelo reconhecimento de que sobrevivem todos apenas em interação de uns com os outros. Tratar-se-ia de uma ação cooperativa de desenvolvimento recíproco, caracterizada por um processo de ganha-ganha, tal como indicado por Covey (1997).
A verdadeira solidariedade é aquela que tem como fim a eqüidade que, em última instância, busca a distribuição inteligente de oportunidades e dos recursos básicos para uma vida decente, de tal forma que cada pessoa e cada organização social possam realizar-se em sua singularidade e desenvolver-se para contribuir o mais plenamente possível, para o desenvolvimento humano da sociedade como um todo. Ela, portanto está para além da distribuição considerada “justa”, pela qual, todos recebem o mesmo da mesma forma, sem considerar suas diferenças e particularidades.
Cabe lembrar que a palavra solidariedade vem do latim “solidus” que significa sólido, inteiro e está associada ao termo grego “holos”, que significa inteiro, global e constitui hoje um movimento paradigmático importante de nossa época, o holismo. Portanto, o termo solidariedade não representa apenas um ato de bondade daquele que dá ao necessitado, ou o esforço pelo convívio amistoso ou até mesmo amoroso com o próximo, ou o respeito às necessidades dos outros, como em outros tempos fora o entendimento, chegando o mesmo a ser associado ao assistencialismo. Muito menos representa a caridade que expressa a superioridade da pessoa que dá, em relação à que recebe.
A partir daquele entendimento, fundamental em uma sociedade que se desenvolve democraticamente e pelos princípios de eqüidade, o conceito de solidariedade deve ser revisto no sentido de ultrapassar uma conotação assistencialista e humanitária voltadas ao atendimento das necessidades básicas do ser humano, para alcançar o seu sentido pleno de atendimento das necessidades humanas plenas de dignidade e de realização como pessoa, no contexto de suas organizações sociais, também plenamente desenvolvidas. Ela passa pelo princípio de desenvolvimento do potencial humano como ser social pleno e pelo de igualdade entre todos. Nesse sentido, a solidariedade passa a demandar um exercício que exige organizações sólidas e inteiras elas mesmas e, o que é mais importante, passa sempre pela educação, pois é por ela que as pessoas se tornam sólidas e plenas.
Oferecer educação de qualidade constitui, portanto, em si uma tarefa eminentemente solidária pela qual se propicia às pessoas assegurar os seus direitos essenciais, assim como os seus deveres básicos estabelecidos pelo regime natural e social de interdependência. E nada melhor para realizar esse trabalho, do que estabelecer entre as escolas que assumem essa responsabilidade, uma rede solidária de apoio recíproco na realização de seus objetivos educacionais que, por si, é pedagógica, uma vez que cria um ambiente educativo em seu modo de ser e de fazer.
Esse entendimento de solidariedade, portanto, vê no trabalho de construção de redes e de parcerias, a sua objetivação, isto é, deixa de ser apenas uma aspiração, um sentimento e uma atitude e passa a representar ações concretas que promovem diferenças significativas no fazer humano.
O significado de rede na construção de ambientes educacionais solidários
A concepção de rede corresponde a uma nova metáfora iluminadora da realidade, que procura apreender as relações características entre elementos, atores, ambientes e cenários que a constituem. Essa metáfora faz parte de um conjunto de novas concepções sobre a realidade, ao qual estão associados conceitos como ecologia, interdisciplinaridade, holismo, globalização, gestão, dentre outros.
A idéia de rede tem como pano de fundo a compreensão da realidade como um sistema, no qual todos os elementos estão interligados por um princípio de interdependência, de maneira que o que acontece em um elemento do sistema, afeta a todos os demais elementos que o compõem. Dessa forma, estabelece-se sobre o reconhecimento de que todos são complementares e suplementares entre si, mas que, somente usufruem dessas condições, mediante a capacidade de organização e interação marcadas pela interação cooperativa e solidária. Esta associação foi identificada como coesão, referida por Robow (1972), como capacidade de manter solidariedade. Em estudos realizados por Emile Durkheim, conforme citado por McGee e outros (1977), pesquisando diversas sociedades*, identificou haver nelas um sistema de coesão social, sistema esse diferente nas sociedades primitivas, onde ele se manifestaria como coesão mecânica, tendo em vista serem caracterizadas pelo sentido da permanência e conformidade à tradição, pelo ordenamento da vida por valores religiosos e sentimento de pertencer; já nas sociedades complexas, industriais, marcadas por diversidade social e moral, pelo encorajamento à diversidade, em que as pessoas se associam por sua interdependência, ela seria uma solidariedade orgânica.
Essa coesão social, conforme já previsto por Durkheim, foi-se enfraquecendo na sociedade industrial e pós-industrial, sendo, no entanto, substituída por outras formas de interação, mais espontâneas, e desenvolvidas a partir de bases ocupacionais. Conforme proposto por este pensador, “se o homem conseguiu ultrapassar a fase em que os outros animais de detiveram, foi antes do mais, por não se ter reduzido ao simples fruto dos seus esforços pessoais, antes cooperando regularmente com os seus semelhantes” (Dürkheim, 1984, p. 23). Daí porque a forte emergência e a grande importância de redes que supera até mesmo a solidariedade social orgânica proposta por Durkheim
Trata-se, portanto, a formação de redes não de uma estratégia ou de uma solução técnica a problemas de interação, mas sim, de uma concepção maior e mais profunda, que emana de um novo paradigma, uma nova concepção de mundo, uma nova epistemologia pela qual se compreende a realidade e se age sobre ela, tendo, no entanto, como base a própria natureza do tecido social, que é construído por uma obra coletiva e cooperativa de todas as pessoas e organizações sociais. Diz respeito a um novo norteamento de ações que se traduzem em todos os âmbitos e áreas de atuação. Através dele, busca-se não apenas a maior eficácia e eficiência em ações, mas, sobretudo, a transformação de práticas para transformar instituições, de modo a tornarem-se mais plenas e autênticas no empreendimento humano que desenvolvem. Em seu sentido pleno, as redes estariam para além da solidariedade.
Pressupostos que embasam as ações em rede
É importante compreender os pressupostos que sustentam a idéia de rede, a fim de que, ao se procurar construí-la, fazê-lo de modo mais adequado e efetivo. Como sustentadores da idéia de rede, podem ser citados, dentre outros aspectos fundamentais, o reconhecimento e a compreensão de que:
– todos os elementos da realidade são interligados, funcionando em cadeia, fazendo parte de um sistema, uma vez que nada é isolado e cada unidade do conjunto se explica apenas por sua interação com o conjunto;
a proatividade e a ótica do ganha-ganha, caracterizada pela lógica da reciprocidade, é produtiva, enquanto que a reatividade e a ótica do perde-ganha é negativa, por pressupor que numa interação, para alguém obter alguma vantagem a outra parte tem que perder alguma coisa, desta forma promovendo o enfraquecimento geral do sistema em que é praticada.
– a realidade social é construída socialmente, mediante a interação dos agentes sociais que a compõem;
– a transformação das organizações e das pessoas ocorre a partir da interação sinérgica entre elas e nelas se revitaliza em caráter de reciprocidade.
– a colaboração, troca e reciprocidade funcionam como mobilizadoras e motivadoras para o trabalho produtivo e comprometido.
– o conjunto de organizações, pessoas, processos e ações é muito mais do que a soma das partes, isto é, em interação constituem processos que superam a simples soma de esforços, promovendo resultados inesperados quando as ações são realizadas isoladamente.
– O desenvolvimento e a superação significativa de estágios limitados de desenvolvimento somente são promovidos a partir de esforços coletivos e compartilhados.
– A divisão do trabalho, que resulta em organizações e núcleos profissionais diferentes não representa um fim em si mesmo, mas sim, uma forma artificial de dar conta de problemáticas complexas, em vista do que não prescindem da interação, de modo que se complementem reciprocamente e interativamente com outros segmentos semelhantes e até mesmo diversos.
Esses pressupostos evidenciam subliminarmente a força das ações de interação e intercâmbio como base de construção de organizações e processos sociais.
A constituição de parcerias e a formação de rede: a objetividade da solidariedade
Comumente, quando se fala em redes, fala-se também em parcerias. Parcerias e redes são dois conceitos comuns que estão mobilizando a atenção das organizações. Muitas vezes, eles são tomados como similares. Mas têm significado e alcance diferente, que vale a pena analisar. Torna-se necessário esclarecer o significado desses conceitos, de modo a, pela sua clareza, tirar melhor proveito das ações por eles orientadas.
A parceria diz respeito à associação que as organizações estabelecem entre si, com o objetivo de se apoiarem reciprocamente, e tirarem alguma vantagem dessa associação. Por exemplo, um colégio de ensino fundamental e pré-escolas podem fazer parcerias pelas quais, a pré-escola compromete-se a encaminhar alunos de suas escolas, para estudarem no colégio de ensino fundamental, em troca de orientação pedagógica para seus professores, de alguma forma de marketing ou consultoria periódica. Ambas as escolas ganham alguma coisa, mas não se transformam, mantendo um certo distanciamento entre si, preservando a sua individualidade. Eventualmente, podem romper a parceria a qualquer momento, uma vez que sintam que seus interesses não estão sendo atendidos com a associação. Os seus vínculos tendem a ser formais e superficiais, uma vez que centrados em ações específicas.
As parcerias são feitas com número fechado de parceiros, mediante contratos em que são estabelecidos os objetivos e os resultados pretendidos de parte a parte. Cada uma das organizações tem seus objetivos específicos, diferentes da(s) outra(s).
Uma forma de parceria mais ou menos rápida e eventual é a do “benchmark”, ou apoio recíproco na busca de referências positivas para a realização de seu trabalho. Buscam-se em outros colégios práticas promissoras, cuja metodologia essas escolas disponibilizam e dão a conhecer. Por exemplo, uma escola que teve sucesso com a realização de maratonas intelectuais com os seus alunos e com essa prática aumentou a motivação e o comprometimento deles para os estudos, pode disponibilizar informações e orientações sobre essa prática. Em troca, poderá receber, mesmo de outra escola, informações sobre programa de estreitamento da relação escola – pais. Projetos pedagógicos especiais podem ser realizados por um conjunto de escolas, de modo que seus professores e alunos construam conhecimentos de modo interativo.
Parcerias podem ser formadas a partir do objetivo de realizar capacitação de seus profissionais em conjunto, de modo a maximizar recursos. Para uma escola pode ser muito caro e impraticável contratar um curso para um número pequeno de seus profissionais, porém, juntando-os com os de outra escola, poderão ter a possibilidade de organização e sustento de tal curso, como também a vantagem da troca de experiências entre os profissionais, estratégia que é muito enriquecedora profissionalmente e condição para o alargamento dos horizontes de todos, pela troca de sua visão e conhecimentos.
É importante, no entanto, que essas parcerias sejam realizadas, no âmbito educacional não no sentido interesseiro, mas sim que se dê às parcerias um cunho de solidariedade verdadeiro, de convívio e troca genuínos pelo sentido do reconhecimento de que nesse convívio é que nos realizamos como seres humanos e a prendemos a sê-lo de forma mais significativa.
A rede, por sua vez, diz respeito à intercomunicação constante entre organizações e profissionais, que comungam dos mesmos propósitos e ideais, no sentido de construírem em conjunto uma ação social, em vista do que estão continuamente trocando idéias a respeito de como podem se apoiar reciprocamente para realizarem os objetivos comuns.
As redes são abertas e dinâmicas. São iniciadas a partir do reconhecimento de propósitos e do entendimento comum de que querem juntos alcançar uma transformação e se propõem a apoiar-se reciprocamente na realização desses objetivos. Portanto, não são pontuais, eventuais, ou estabelecidas a partir de interesses conservadores e limitados. Dessa forma, a rede objetivaria a solidariedade para além da simples coesão e voltada para o sentido de realização plena do seu conjunto, em interação recíproca com a sociedade.
Princípios para o funcionamento de redes
Não basta, portanto, o estabelecimento de objetivos e propósitos comuns, para se construir a rede. Torna-se necessário que se dedique continuamente e com atenção especial, ao seu funcionamento. A rede só existe pela ação constante de comunicação, associação, intercâmbio e reforço recíproco que fazem entre si as partes componentes das redes, no sentido de sustentar, alimentar e promover o seu ideário e identidade comum.
A seguir são lembrados alguns princípios importantes a serem assumidos para sua efetivação. É fundamental que os mesmos estejam presentes, como norteadores na formação e promoção de redes.
– Identificação, por parte dos estabelecimentos de ensino e de seus profissionais, de que fazem parte de um sistema, pelo reconhecimento de que o que acontece em um, afeta os demais e o conjunto todo.
– Reconhecimento de igualdade de valor entre todos os colégios, independentemente de seu tamanho, tempo de existência e localização, ou entre profissionais, independente de sua área de atuação, tempo de serviço e nível de formação, de modo a se evitar a concepção de hierarquia entre eles.
– Aproveitamento dos valores, competências e experiências recíprocas, que são importantes, do ponto de vista cultural, independentemente de sua abrangência.
– Identificação de necessidades comuns, de caráter construtivo e estratégico, como elemento concreto de manutenção do ideário de rede.
– Estabelecimento de um compromisso conjunto para o atendimento dessas necessidades e cultivo de entusiasmo e práticas de intercâmbio e reciprocidade.
Estratégias para a promoção de rede intra e entre escolas
De modo a sugerir maior objetividade para as ações em rede, algumas estratégias podem ser úteis:
1. Realização de projetos especiais de desenvolvimento de inovações em gestão, segundo os princípios da participação, proatividade, competência e promoção de resultados avançados.
2. Manutenção de contactos contínuos com profissionais e instituições como forma de troca de experiência e dinamização de sub-projetos conjuntos, a partir de referenciais mais avançados.
3. Estabelecimento de intercâmbio entre outros sistemas de ensino e instituições, na busca de referências positivas para a transformação do próprio trabalho.
4. Promoção de seminários e cursos de atualização sobre desdobramentos significativos da gestão do sistema em conjunto.
5. Formação de grupos de estudo e reflexão sobre assuntos de gestão, tendo por base a análise de experiências diversificadas e inovadoras na área, bem como a expansão do seu significado e de sua aplicação.
6. Divulgação de conhecimentos produzidos no contexto da Rede e fora dela, de modo a incentivar a construção de conhecimento a partir das bases, seguindo o princípio de que a autonomia se faz com o desenvolvimento da competência e autoria.
7. Promoção de visitas de estudo e intercâmbio de experiências em instituições de ensino de alto nível e centros de estudos em gestão educacional, nacionais e internacionais.
8. Participação em eventos nacionais e internacionais de educação e gestão educacional e disseminação de seus resultados na rede.
9. Realização de fóruns temáticos, visando o debate o melhor entendimento e o encaminhamento para a resolução de problemáticas específicas.
10. Manutenção de intercâmbio constante, troca de informações e divulgação e intercomunicação, por meio de correspondência, “newsletters”, fax, telefone e e-mail.
As estratégias para a formação e manutenção de redes não se esgotam aí. Estas são apenas alguns exemplos de possibilidades. De acordo com a criatividade estimulada pela própria interação, novas estratégias podem surgir. É importante ter em mente, no entanto, que elas não valem por elas mesmas e sim pelos resultados que promovam no sentido do enriquecimento e fortalecimento da experiência humana.
Palavras finais
A prática da solidariedade pela formação de redes não é necessariamente fácil. Para estabelecer esta cultura, é preciso que se cultive um espírito de colaboração recíproca, marcado pela lógica do ganha-ganha, pela qual se entende que, para ganharmos alguma coisa que possa ser útil, sustentável e duradoura, é necessário que os benefícios que desejamos para nós mesmos, sejam compartilhados com as instituições e pessoas que formam o nosso ambiente. Por outro lado, essa colaboração é condição inerente à construção e desenvolvimento do próprio tecido social. Para tanto, é fundamental reconhecer e manter vivos o princípio da solidariedade, assentado no entendimento de que a dimensão de ser humano se alcança pela plenitude do ser e pelo reconhecimento de igualdade entre todos, por sobre as diferença de expressões observadas.
É necessário, também, que nos mantenhamos em contínua comunicação e interação, trocando informações, criando sinergia e estimulando-nos reciprocamente na realização dos objetivos comuns de contribuir para a formação da sociedade brasileira.
Atuar em rede representa reconhecer o fato de que juntos, mediante a combinação dos nossos talentos e energia, podemos construir muito mais e melhor do que isolados e, dessa forma podemos nos realizar mais plenamente. A troca e a reciprocidade são elementos substanciais para a necessária formação de sinergia que transforma organizações e lhes dá vitalidade. Estas condições, em última instância são elementos fundamentais da estimulação dos nossos talentos potenciais que, do contrário ficariam adormecidos deixando, portanto, de virem a nos ajudar a sermos pessoas e organizações plenas.