Para a educadora paranaense, somente uma escola bem dirigida obtém bons resultados
A escola é uma organização que sempre precisou mostrar resultados – o aprendizado dos alunos. Porém nem sempre eles são positivos. Para evitar desperdício de esforços e fazer com que os objetivos sejam atingidos ano após ano, sabe-se que é necessária a presença de gestores que atuem como líderes, capazes de implementar ações direcionadas para esse foco. A concepção de que a liderança é primordial no trabalho escolar começou a tomar corpo na segunda metade da década de 1990, com a universalização do ensino público. A formação e a atuação de líderes, até então restritas aos ambientes empresariais, foram adotadas pela Educação e passaram a ser palavra de ordem para enfrentar os desafios.
Na comunidade escolar, é recomendável que essa liderança seja exercida pelo diretor. Mas a educadora paranaense Heloísa Lück, diretora educacional do Centro de Desenvolvimento Humano Aplicado (Cedhap), em Curitiba, e consultora do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), vai além. Ela defende o estímulo à gestão compartilhada em diferentes âmbitos da organização escolar. Onde isso ocorre, diz ela, nasce um ambiente favorável ao trabalho educacional, que valoriza os diferentes talentos e faz com que todos compreendam seu papel na organização e assumam novas responsabilidades.
Doutora em Educação pela Universidade Columbia e pós-doutora em Pesquisa e Ensino Superior pela Universidade George Washington, ambas nos Estados Unidos, Heloísa falou a NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR sobre as ações necessárias para o exercício da liderança. Segundo ela, o primeiro passo é tornar claros os objetivos educacionais da escola. Só assim as expectativas dos profissionais com relação à Educação permanecem elevadas, contribuindo para a construção do que ela chama de “comunidade social de aprendizagem”.
Quando o conceito de liderança, antes restrito ao âmbito empresarial, migrou para a Educação?
HELOÍSA LÜCK Há algumas décadas, o ensino público era destinado a poucos e orientado por um sistema administrativo centralizador. Nesse modelo, a qualidade era garantida com mecanismos de controle e cobrança. A sociedade mudou e passou a exigir a Educação para todos. Com isso, o ser humano se tornou o elemento-chave no desenvolvimento das organizações educacionais, tanto como alvo do trabalho educativo como na condução de processos eficientes e bem-sucedidos.
É nesse contexto que surgiu a necessidade de haver uma ou mais pessoas para dirigir as ações que encaminham a escola para a direção desejada.
Como diferenciar uma escola que conta com essas pessoas de outra que não tem?
HELOÍSA É fácil perceber isso. Onde não existe liderança, o ritmo de trabalho é frouxo e não há a mobilização para alcançar objetivos de aprendizagem e sociais satisfatórios. As decisões são orientadas basicamente pelo corporativismo e por interesses pessoais. Geralmente, são instituições cujos estudantes apresentam baixo desempenho. Além dessas características, há outras menos visíveis, mas que têm grande impacto. Uma estrutura de gestão debilitada contribui para a formação de pessoas indiferentes em relação à sociedade. É alarmante observar como os apelos destrutivos estão cada vez mais fortes, com os jovens se envolvendo em arruaças e gangues e usando drogas. Isso se dá pela absoluta falta de modelos. A escola deveria oferecê-los, pois é a primeira organização formal, depois da família, que as crianças conhecem. Sem a canalização de esforços para que a aprendizagem ocorra e haja melhoria e desenvolvimento contínuos, o ambiente escolar se torna deseducativo.
É possível aprender a liderar?
HELOÍSA Com certeza. Existem indivíduos que despontam naturalmente para exercer esse papel e certamente o farão se o ambiente favorecer. Mas mesmo eles precisam de orientação para empregar essa habilidade e toda a energia em nome do bem coletivo. Trata-se de um exercício associado à consciência de responsabilidade social. Onde a gestão é democrática e participativa, há a oportunidade de desenvolver essa característica em diversos agentes. Somente governos e organizações autoritários e centralizadores não permitem isso. E a escola, é claro, não deve ser assim.
Quais são as principais características de um líder?
HELOÍSA Geralmente, é uma pessoa empreendedora, que se empenha em manter o entusiasmo da equipe e tem autocontrole e determinação, sem deixar de ser f lexível. É importante também que conheça os fundamentos da Educação e seus processos – pois é desse conhecimento que virá sua autoridade -, que compreenda o comportamento humano e seja ciente das motivações, dos interesses e das competências do grupo ao qual pertence. Ele também aceita os novos desafios com disponibilidade, o que influencia positivamente a equipe.
Que questões do cotidiano costumam assustar o gestor que é líder de sua comunidade?
HELOÍSA Os dirigentes que desenvolveram as competências de liderança nunca se deixam paralisar diante dos desafios. Os que não as têm, contudo, se sentem imobilizados diante de pessoas que resistem às mudanças, sobretudo aquelas que manifestam de forma mais veemente seu incômodo com situações que causam desconforto. Em vez de colocar energia em atividades burocráticas e administrativas, fazendo fracassar os propósitos de criação de uma comunidade de aprendizagem, cabe aos gestores – e a todos os educadores, na verdade – promover o entendimento de que as adversidades são inerentes ao processo educacional. O enfrentamento delas implica o desenvolvimento da compreensão sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o modo como o desempenho individual e coletivo afeta as ações da organização.
O diretor deve ser o principal orientador das diretrizes da escola?
HELOÍSA Sim. Mas, apesar disso, essa atuação não deve ser exclusividade dele. A escola precisa trabalhar para se tornar ela própria uma comunidade social de aprendizagem também no quesito liderança, tendo em vista que a natureza do trabalho educacional e os novos paradigmas organizacionais exigem essa habilidade. Para que isso aconteça, é primordial a atuação de inúmeras pessoas, mediante a prática da coliderança e da gestão compartilhada. Em vista disso, atuar como mentor do desenvolvimento de novas lideranças na escola é uma das habilidades fundamentais para um diretor eficiente.
Como funciona uma gestão escolar compartilhada?
HELOÍSA Podemos falar em níveis ou abrangências. Num primeiro nível, ela se circunscreve à equipe central, geralmente formada pelo diretor, o vice ou o assistente de direção, o coordenador ou o supervisor pedagógico e o orientador educacional. web whois Nesse âmbito, é necessário praticar a coliderança, ou seja, uma liderança exercida em conjunto e com responsabilidade sobre os resultados da escola. Para isso, é importante haver um entendimento contínuo entre esses profissionais. Num sentido mais amplo, a gestão compartilhada envolve professores, alunos, funcionários e pais de alunos. É uma maneira mais aberta de dirigir a instituição. Para isso funcionar, é preciso que todos os envolvidos assumam e compartilhem responsabilidades nas múltiplas áreas de atuação da escola. Num contexto como esse, as pessoas têm liberdade de atuar e intervir e, por isso, se sentem à vontade para criar e propor soluções para os diversos problemas que surgem, sempre no intuito de atingir os objetivos da organização. Estimula-se assim a proatividade.
O que é uma escola proativa?
HELOÍSA A proatividade corresponde a uma percepção de si próprio como agente capaz de iniciativas e, ao mesmo tempo, responsável pelo encaminhamento das condições vivenciadas. Uma escola pró-ativa é aquela que age com criatividade diante dos obstáculos, desenvolvendo projetos específicos para as comunidades em que atua, de modo a ir além da proposta sugerida pelas secretarias de Educação. O contrário da pró-atividade é a reatividade, que está associada à busca de justificativas para as limitações de nossas ações e de resultados ineficazes.
A liderança também pode ser desenvolvida nos alunos?
HELOÍSA A liderança é inerente à dinâmica que envolve ensino e aprendizagem. Afinal, no jogo da Educação, os protagonistas são os estudantes. Além de oferecer ensino de qualidade, é obrigação da escola fazer com que eles se sintam parte integrante do processo educacional e participantes de uma comunidade de aprendizagem, o que só se consegue com uma metodologia participativa, sempre sob a orientação do professor. Os jovens sempre se mostram colaboradores extraordinários nas escolas em que lhes é dada essa oportunidade, podendo assumir papéis importantes inclusive na gestão e na manutenção do patrimônio escolar, nas relações da família com a escola e dessa com a comunidade.
A equipe de gestão escolar, então, deve sempre ser orientada por princípios democráticos?
HELOÍSA A liderança pressupõe a aceitação das pessoas com relação a uma influência exercida. Ela corresponde, portanto, a uma prática que depende muito da democracia para ser bem-sucedida. O diretor que faz com que os professores cheguem às aulas no horário, pois do contrário sofrerão descontos, influencia o comportamento deles no âmbito administrativo. Contudo, no momento em que ele deixa de impor a pena, tudo volta à condição inicial. Já o gestor que leva a equipe a compreender como a pontualidade contribui para a melhoria do trabalho alcança resultados perenes, que são incorporados naturalmente.
Certamente, atitudes autoritárias não cabem em relações de trabalho assim estabelecidas.
HELOÍSA É importante destacar a diferença entre ter autoridade e ser autoritário. Todo profissional deve ter autoridade para o exercício de suas responsabilidades. E em nenhuma profissão ela é conseguida pelo cargo, mas pela competência. Já o autoritarismo é constituído pelo comando com base na posição ocupada pela pessoa que, não tendo a devida competência, determina e obriga o cumprimento de tarefas sem fazer com que os envolvidos compreendam adequadamente os processos e as implicações envolvidos na realização do trabalho. Quando identifica essa situação, a tendência da equipe é passar a agir sem comprometimento, gerando um ambiente de trabalho proforma, cujos resultados são sempre menos efetivos do que poderiam ser.
O diretor pode ser avaliado por seus pares para saber se está fazendo uma boa gestão?
HELOÍSA Nenhuma ação desenvolvida na escola está isenta de avaliação, que é a base para a definição de planos de ação e de programas de formação em serviço. É importante destacar, no entanto, que não são as pessoas que são avaliadas, mas o desempenho delas, que é circunstancial e mutável. A liderança é situacional e, por isso, é essencial desenvolver instrumentos específicos para cada contexto a ser avaliado. Para que o processo se efetive, portanto, é interssante que as fichas de avaliação da liderança sejam preenchidas por todos os membros da comunidade escolar – professores, alunos, pais e demais funcionários.
Como dirigir uma escola para que ela melhore continuamente?
HELOÍSA O segredo é nunca ficar satisfeito com o que já foi conseguido. A satisfação leva à acomodação, o que deixa o gestor impossibilitado de perceber perspectivas para alcançar novos patamares. É muito comum ouvir diretores dizendo, em cursos de formação, “isso eu já faço” ou “isso a minha escola já tem”. Fica evidente que, contente com a situação posta, vai ser difícil ele se mobilizar para qualquer mudança. É preciso ter cuidado, pois os processos educacionais são complexos e sempre há desdobramentos novos a desenvolver. Resultados e competências podem sempre melhorar.
Entrevista para Revista Abril sobre os desafios da liderança nas escolas com Heloisa Luck
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