Menu

Últimas do
Blog e Artigos

A Construção do Conhecimento em Serviço: Estratégia Básica de Profissionalização e Formação Contínua

RESUMO
Analisa os atuais desafios do trabalho, na sociedade do conhecimento, seus desdobramentos em relação à necessidade de profissionalização como um processo contínuo e indica estratégias a serem seguidas como condição para essa contínua profissionalização no mundo do trabalho.
É lugar comum reconhecer que a formação profissional não acaba quando a pessoa conclui o curso de formação profissionalizante e que, aliás, aí ela apenas tem início. Quando a pessoa se inicia no exercício profissional, começa o período mais significativo e mais rico de sua formação, desde que ela perceba em sua experiência de trabalho, uma experiência de aprendizagem e desenvolvimento e que esteja aberta a usar essas oportunidades e o faça de modo sistemático e organizado. E as oportunidades dessa profissionalização e desenvolvimento são inesgotáveis, contribuindo tanto para a realização profissional da pessoa, como para o progresso da instituição em que atua, como para o avanço da comunidade na qual interagem.
A formação profissional deve ser encarada, portanto, como um processo contínuo, em decorrência de uma série de fatores, destacando-se: a) a dinâmica e a diversidade da vida, oferecendo múltiplos desafios e desdobramentos impossíveis de serem inteiramente previstos (Naisbitt, e Aburdene, 1987 e 1990); b) a dinâmica e a rapidez das transformações do mundo do trabalho, em contínua transformação, demandando das pessoas não apenas novos conhecimentos, habilidades e atitudes, mas até mesmo novas percepções, perspectivas e orientações (Harman e Hormann, 1992); e) a dinâmica e a riqueza do potencial humano, em contínua demanda de situações ativas e criativas para o seu desenvolvimento (Pinchot e Pinchot, 1994).
Portanto, a ação profissional não será consciente e significativa, caso se baseie na rotina, no lugar comum, no jargão, no emprego mecânico de métodos, técnicas e procedimentos, no tradicionalismo sem sentido ou no imediatismo que conduz as ações, sem que se reflita sobre as conseqüências das mesmas além das próximas, sem que se examine, para além das aparências, as manifestações, e sem que se vislumbrem os novos desafios de cada nova situação. Como colaborador do processo produtivo, o profissional deve ser um crítico, capaz de interpretar e reivindicar e re-intepretar continuamente as necessidades e procedimentos de trabalho e as concepções que o orientam, bem como seu papel e funções em relação a eles, segundo um espírito científico orientado para a construção de conhecimento e aprendizagem. Não pode, por conseguinte, o profissional ser um agente acrítico, que reproduz, sem muitas considerações, modelos e programas de ação realizados alhures. Mesmo porque, conforme Peter Drucker (1992) afirma, tudo que deu certo anteriormente, por esse mesmo fato, está fadado ao fracasso.
A mudança, a inovação, a aprendizagem, a construção do conhecimento no trabalho constituem-se, nesse contexto, em elementos associados à profissionalização contínua em serviço. Não há, pois, outra alternativa ao profissional, senão orientar-se por essa linha de atuação: trabalhar aceitando as mudanças e sendo sensível a elas, de modo a aprender continuamente e sistematizar essa aprendizagem construindo conhecimentos.
Há várias formas de aprender: aprende-se lendo, ouvindo, observando e fazendo. Na maioria dos cursos de formação, a maior proporção de aprendizagem tem sido promovida mediante estratégias de ler e de ouvir e, algumas vezes, mediante a discussão participativa com alunos sobre generalizações e situações específicas, porém tratadas de modo genérico, o que requer um nível muito baixo de envolvimento do aprendiz e torna essas aprendizagens, em grande parte, incompletas e até insatisfatórias. As aprendizagens mais completas, satisfatórias e significativas são aquelas que envolvem o indivíduo em ação e os leva a refletir sobre ela (Wick, Calhoum W. e Leon, 1997).
Logo, é no trabalho que o profissional tem a oportunidade de desenvolver as aprendizagens mais significativas, uma vez que ele não só visualiza os elementos e desdobramentos de seu trabalho em situação real, como também a si mesmo à prova, e tem a oportunidade de reconhecer seu potencial em ação.
Essa aprendizagem, no entanto, só se realiza mediante o desenvolvimento de ações cuidadosamente organizadas, cujos efeitos, seja desejados, seja não desejados, são registrados objetivamente e analisados à luz das ações que os produzem, a fim de se determinar o que é adequado naquilo que se faz, e o que não é adequado.
Conclui-se, à luz das observações da atuação da maioria dos profissionais que, no entanto, essa oportunidade de aprender enquanto se trabalha, não é aproveitada em todo seu potencial por eles. Talvez apenas uma proporção pequena a aproveite a maior parte do tempo. E chega-se a essa conclusão dada à pobreza de literatura brasileira sobre experiências de trabalho no campo de várias áreas profissionais.
Este artigo tem, pois o objetivo de alertar os profissionais para essa questão, e de oferecer-lhes subsídios que lhes permitam orientar-se no trabalho de modo a construírem a sua competência profissional, profissionalizando-se em serviço, mediante a adoção de medidas de construção de conhecimento e sistematização de aprendizagens significativas. Para tanto, o artigo associa o processo de mudança ao desenvolvimento da qualidade e à construção do conhecimento no trabalho, centradas no papel do trabalhador e profissional como produtor de tal conhecimento. Aponta, ainda, estratégias para tal a realização de tal prática.
Pressupostos que fundamental a construção do conhecimento e aprendizagem em serviço
Alguns pressupostos que direcionam a construção do conhecimento e a aprendizagem em serviço estão subentendidos na proposição anteriormente exposta:
1) O trabalho é circunstância natural de aprendizagem e de construção de conhecimento, que se constituem em condições fundamentais para a transformação e a melhoria da qualidade como processo continuado;
2) O trabalhador, independentemente de seu nível profissional, desenvolve no seu dia-a-dia de trabalho, concepções e idéias sobre o mesmo, de que resulta, caso não sejam levadas em consideração, não apenas um desperdício desse potencial, como também prejuízos de produtividade e de desenvolvimento organizacional e profissional, dado o conflito gerado por essa desconsideração.
3) As condições de trabalho e produção são condições sócio – culturais, além de serem afetadas continuamente pelo rápido desenvolvimento da tecnologia. Portanto, são condições dinâmicas e em constante mudança, que exigem a transformação constante do acervo de conhecimento do trabalhador;
4) A continuidade da transformação constante do acervo de conhecimento só é possível no cotidiano da ação, em associação com o processo reflexivo e de sistematização das reflexões resultantes.
Estes pressupostos indicam a necessidade de se orientar pelos mesmos no cotidiano do trabalho, como contingência para a superação dos impasses e crises do mundo do trabalho e dos negócios, vivenciados num contexto de competitividade e mudança, que demandam agentes de trabalho construtores de conhecimentos e aprendizes constantes.
O mundo do trabalho é o mundo da materialização de idéias da sua realização, da sua aplicação e da sua revisão, expansão, transformação e construção. Em vista disso, o trabalho é circunstância natural de construção do conhecimento e nele o ser humano pode perceber e compreender a realidade dada e a realidade que cria e, portanto, a sua relação com o mundo, vale dizer, a sua identidade. O ser humano conhece-se a partir da reflexão do que faz e dos resultados do que faz sobre a realidade e em si mesmo como parte dessa realidade. O trabalho é socialmente construído, a partir da ação humana sobre o seu ambiente, conforme afirmado por Kosik (1986), constrói o conhecimento de si mesmo e do mundo. Pelo trabalho e no trabalho o ser humano, contribui na construção da realidade, a partir das células sociais de que participa e, na medida em que o faz superando a ótica do senso comum e o sentido da práxis meramente utilitária, de caráter imediatista, transforma a realidade e se transforma nesse ato.
Portanto, é fundamental que se reconheça o trabalho como circunstância do verdadeiro exercício da práxis significativa, pela qual reflexão e ação se interligam dinamicamente, de modo a constituir uma experiência pela qual, ao mesmo tempo em que é produzido um resultado desejado, desenvolvem-se os conhecimentos necessários à contínua correção de rumos, à socialização da experiência e dos conhecimentos. Desenvolve-se, sobremodo, a competência e a responsabilidade profissional, eliminando-se o sentido de distanciamento entre trabalhador e o produto de seu trabalho, o que ocorre, como resultado da acentuada separação entre pensar e fazer existente no contexto da produção e até mesmo da prestação de serviços.
O trabalho como praxis se constitui, ao mesmo tempo, em:
1. Finalidade de aplicação de idéias e fonte para seu alargamento e produção de novas idéias;
2. Condição de ação sobre a realidade e de transformação da mesma;
3. Ação material objetiva e processo social subjetivo;
4. Condição de transformação de consciência comum, reprodutiva para consciência crítica, interativa.
Aprender e construir conhecimento constitui-se em condição não apenas de desenvolvimento organizacional, mas até mesmo de sobrevivência dos profissionais e das empresas e organizações. Esse processo envolve direcionar a atenção e exercer esforços no sentido de, ao produzir os resultados que o trabalho demanda, construindo também conhecimentos sobre o processo laborativo e sua relação com seu contexto organizacional e econômico, a fim de que possa promover as mudanças e transformações necessárias na construção da qualidade, como também a própria empregabilidade.
O processo de mudança é o grande desafio do mundo produtivo e dos profissionais
É reconhecido que “os negócios evoluem mais depressa do que a capacidade de seus administradores para desenvolver formas de organização novas e mais adequadas” (Davis e Davidson, 1993: 21). Mediante este reconhecimento, somos alertados para duas situações atuais e que devemos enfrentar, para que possamos não apenas vencer os desafios cotidianos do mundo dos negócios, da produção e da prestação de serviços, como também e mais fundamentalmente, os desafios do desenvolvimento auto- sustentado, que se constitui em condição fundamental para a saída dos nossos problemas.

Uma das situações é da mudança, como um processo dinâmico e contínuo, que se constitui, em “uma das mais importantes questões, se não a mais importante, no círculo dos negócios da atualidade” (Harman e Hormann, 1992: 216). A outra é a nossa capacidade de participar do processo de mudança, não apenas acompanhando-o e sendo por ele conduzido, mas, sobretudo, contribuindo para a sua vitalidade, de modo criativo.
Trata-se de duas facetas da mesma situação: uma externa a nós (as estimulações e demandas que se nos apresentam) e outra interna (nossa capacidade e ótica pessoal), de cuja interação satisfatória depende todo sucesso que possamos alcançar e promover. Vale dizer que, sem um enfoque interativo, orientado pelo princípio da transformação (interação entre elementos internos e externos), tem-se apenas movimento e não desenvolvimento auto – sustentado. Isto porque, para que de fato possamos acompanhar positivamente o processo de mudança, temos que ter uma grande apreciação pelo mesmo, deixando de ser simples seguidores acríticos para sermos contribuintes da sua construção.
O processo de mudança implica em mudança de conceitos de qualidade
No entremeio destas duas facetas, apresenta-se a questão da qualidade, que não pode mais ser entendida simplesmente como ausência de defeito dos mesmos e antigos produtos e serviços, A ótica do “zero defeito” e a de “fazer certo da primeira vez” as mesmas coisas que sempre foram feitas, não basta. É preciso ser criativo, é necessário reinterpretar necessidades que se redimensionam constantemente, é preciso orientar-se por uma visão aguçada da realidade e pela capacidade de compreendê-la e de produzir sentido a partir desta compreensão, isto é, construir conhecimento que permita visualizar o surgimento de novas perspectivas e necessidades.
No contexto de um ambiente empresarial e organizacional que se torna cada vez mais instável e imprevisível, dada a vertiginosa alteração de demandas sociais e estimulações tecnológicas, o primeiro alerta para a sobrevivência é bem claro: “nada é mais perigoso do que o sucesso de ontem” (Toffler, 1990: 14).
O paradigma da qualidade, num mundo de mudança, está sendo orientado por uma nova visão globalizadora, que leva em consideração todos os elementos interagentes na constituição de um sistema, bem como as forças que subjazem nessa interação. Isto porque “já não é possível conceber, hoje em dia, a empresa e as pessoas que nela trabalham, como se estivessem isoladas no vácuo” (Naisbitt e Aburdene, 1987: 68). O princípio da globalização deve, portanto, ser considerado em seu sentido de interatividade e com visão do todo, em todos os seus aspectos, isto é, não apenas levando-se em conta as tendências internacionais, mas também as nacionais e organizacionais em seus diversos segmentos.
Mudança e qualidade pressupõem um processo de construção do conhecimento
Neste novo e dinâmico contexto do mundo do trabalho, ganham corpo e importância as informações e a construção do conhecimento, a ponto de se afirmar que constituem a base da nova economia (e.g. Davis e Davidson, 1993; Drucker, 1992; Toffler, 1993; Naisbitt e Aburdene, 1990).
O rápido movimento em todas as áreas humanas cria a necessidade de se horizontalizar organizações e reconhecer a importância da tomada de decisão em todos os seus níveis e as decisões, todas elas, ganham grande relevância, devendo ser bem fundamentadas e, portanto, baseadas em informações claras e interpretações adequadas.
Portanto, a informação e sobremodo o conhecimento, tornam-se o principal recurso para a revitalização profissional e desenvolvimento organizacional, dos serviços e dos negócios, devendo estar presentes, dado o princípio da globalização, em todos os segmentos e condições de trabalho e não apenas em certos segmentos especializados e da alta direção. A associação entre o pensar e fazer, desde o mais simples trabalho, até a sua alta direção, constitui-se em condição básica para o enfrentamento da nova dinâmica do trabalho e da economia.
É a ótica de aprendizagem e de construção do conhecimento no trabalho que possibilita tanto a mudança e renovação dos serviços e dos negócios, quanto a qualidade nos empreendimentos, uma vez que, sem ela, há a repetição dos mesmos sucessos, ou dos mesmos fracassos e situações de desperdício, o que gera a estagnação e o imobilismo que, infelizmente, marcam, em grande parte a economia brasileira como um todo e as suas organizações. No caso do fracasso, ocorreria, em grande parte, o desperdício da oportunidade de aprender com erros; isto porque, quando as pessoas tentam alguma coisa e não obtêm um resultado desejado, pelo menos têm uma experiência de aprendizagem e uma oportunidade para construir conhecimentos que lhes permitem reelaborar as condições e direcionamento no trabalho (Robbins, 1987). Organizações inteligentes são aquelas que se orientam para este fim, não restando àqueles que pretendem se desenvolver, senão assumir o papel e adotar os necessários procedimentos para se constituir em “organização de aprendizagem”. Nesta organização “as pessoas expandem continuamente sua capacidade de criar os resultados que realmente desejam, […] surgem novos e elevados padrões de raciocínio, […] a aspiração coletiva é libertada e […] as pessoas aprendem continuamente a aprender em grupo” (Senge, 1995: 11).
A construção de conhecimento é centrada na valorização do potencial humano
Na economia atual, comumente chamada de economia da informação e do conhecimento, ocorre uma mudança de ênfase do capital econômico para o capital humano, mesmo porque se reconhece que são as pessoas que fazem ou destroem uma empresa ou organização. Porém, uma pessoa só representa um capital significativo, na medida em que seja capaz de corresponder às necessidades de contínua renovação que caracterizam a nova realidade. Do contrário, ela é vista como máquina.
Cabe apontar que, quanto mais informação e conhecimento se colocam num produto ou serviço, mais o mesmo evolui desde a sua finalidade original, produzindo novas finalidades e, desta forma, gerando um novo valor econômico, uma nova economia a até mesmo gerando novas informações e novos conhecimentos que se reintegram num dinâmico e contínuo processo de desenvolvimento.
Em vista deste contexto, pessoas observadoras, reflexivas, criativas, com capacidade de detectar informações significativas e, a partir delas, produzir conhecimento, tornam-se a mola mestra da nova ótica de qualidade nas empresas e na sociedade em geral. Conseqüentemente, desenvolver habilidades para atuar neste patamar, consiste em condição de sucesso de todos os trabalhadores e profissionais e não apenas de alguns especialistas. Todos os profissionais devem ser considerados como produtores de resultados e também dos conhecimentos necessários para produzir estes resultados. Para produzi-los, torna-se necessário que estejam atentos a todos os necessários ingredientes e dados concorrentes no processo, observando suas relações, explorando novos caminhos e aprendendo novas coisas. É necessário ultrapassar o senso comum que, embora útil, é limitado, por condicionar a visão ao familiar e já conhecido e rejeitar tudo o que não se enquadra ao referencial já construído.
“O sucesso deixa pistas” (Robbins, 1987), mas para que elas existam como tal, é necessário saber decodificá-las, compreendê-las e sistematizar essa compreensão. Em vista disto, é necessário que as empresas e organizações invistam na capacidade das pessoas de gerar conhecimento enquanto trabalham, e de saber sistematizá-lo e socializá-lo como forma, por um lado, de desenvolvimento da cultura organizacional, dos processos de produção e dos negócios e, por outro lado, de desenvolvimento de sua empregabilidade. Este investimento está centrado, por certo, numa mudança de cultura da organização, uma alteração do enfoque singular e limitado do seu processo de trabalho, de produção de bens e de serviços.
Agimos a partir do que conhecemos
Todos se organizam e enfrentam as questões que se lhes apresentam no dia-a-dia de trabalho, a partir dos conhecimentos que já dominam. Portanto, o sucesso que alcançam na superação dos desafios que enfrentam depende, portanto em grande parte, da qualidade destes conhecimentos: sua abrangência e profundidade, sua coerência e consistência, sua naturalidade e simplicidade, sua objetividade e adequação.
Muitas vezes, no entanto, o acervo do conhecimento que dominam é tendencioso (limitado sempre será) incoerente, distorcido, inconsistente e ambíguo, tendo em vista o modo como foi construído. Como resultado, ações orientadas por tal acervo são invariavelmente, inconseqüentes, ou, pelo menos, incapazes de produzir conseqüências positivas, direcionadas para resultados efetivos, duradouros; serão inseguras; produzirão conflitos desnecessários, desgastes inúteis e desperdício de energia.
A partir destes conhecimentos, trabalhadores e profissionais tomam decisões e agem, não devendo, portanto, ser surpresa, que passem por tantos problemas, pois, de fato, os criam, agindo deste modo.
Por que tal situação acontece e é registrada continuamente?
Pode-se sugerir que, via de regra, profissionais trabalham com o objetivo único de produzir resultados a partir do que já conhecem, ou pensam conhecer sobre a realidade, sem mesmo questionar e analisar esse conhecimento; não se orientam no trabalho para aprender e construir conhecimentos, mas sim para, de modo limitado, resolver problemas; não se orientam para desenvolver sua organização ou sua empregabilidade, segundo uma visão de médio e longo prazo, mas para alcançar um benefício imediato, para resolver um problema com que no momento se defrontam. Vale dizer que, orientados por esta atitude, o que aprendem ocorre por acaso, de maneira assistemática e de forma muito mais emocional do que racional, de maneira mais espontânea e desorientada, do que de maneira organizada e centrada. Daí o caráter fragmentado, tendencioso e frágil dos conhecimentos adquiridos.
Por outro lado, quando se orientam para aprender enquanto trabalham, para construir conhecimentos, o fazem de maneira incorreta, dada a própria concepção inadequada que têm sobre aprendizagem. A concepção comum, criada talvez a partir da escola, é a de que a aprendizagem é um processo de aquisição de conhecimentos que são transmitidos de maneira formal por autoridades na sala de aula (os professores), com horário marcado e mediante mecanismo de controle para que se aprenda – nada mais do que isso.
Aquisição x construção do conhecimento
Como os professores, responsáveis por este processo de promoção da aprendizagem, são eles próprios, freqüentemente, reprodutores de conhecimentos auferidos pela leitura, e não pela prática reflexiva reforçam a idéia de que o que vale a pena conhecer está nos livros, do que decorre outra idéia inadequada sobre o que se deve aprender e como se deve aprender.
Ambas as formas de aprendizagem reforçam a concepção da formalização da aprendizagem e de que a sua orientação ficaria sob a responsabilidade de alguém, considerado como autoridade, seja professor, seja autor de livro, cujas idéias são tomadas acriticamente e de forma fragmentada, desvinculada da realidade, o correspondente na organização seria o chefe e os manuais de trabalho. Tal prática cria, aliás, o princípio da certeza que detém e até impede as imprescindíveis mudanças nos modos de produção e de prestação de serviço.
A aquisição de conhecimentos pelo principio de autoridade tem certas vantagens, pois que, pela transmissão dos conhecimentos já construídos/elaborados, não é necessário que cada grupo, cada geração “reinvente a roda”. Quando o volume de informações do acervo universal de conhecimentos é por demais vasto e impossível de ser dominado, torna-se necessário que os mais experientes sintetizem e sistematizem conhecimentos, daí porque os especialistas em área diferente de conhecimento.
No entanto, tal processo deve ser promovido de maneira que se desenvolva a aquisição crítica e contextualizada de conhecimento, mediante a qual se aprende a aprender, isto é, se avalia o próprio conhecimento; mesmo porque, dada a dinâmica da realidade, da ciência e da tecnologia, as informações se tornam rapidamente obsoletas, invalidando o conhecimento nelas baseado.
O resultado negativo de tal procedimento é o de que por meio dele, forma-se a mentalidade de que uns são construtores de conhecimento, outros são transmissores e outros são consumidores. Há, pois, o reforço da concepção de que a grande maioria da população é reprodutora de conhecimentos. Os especialistas e consultores são organizadores de conhecimento, os profissionais em geral são reprodutores, os professores e instrutores são seus transmissores e os pesquisadores e pensadores são os construtores. Assim é que uns questionam aos outros sobre o que estes devem fazer; porém quando dispõem da possibilidade de realização, passam a imitá-los, reproduzindo seu comportamento acriticamente, sem aprender com ele e transformar sua concepção e visão da realidade.
No entanto, cabe reforçar que o conhecimento que temos constitui o elo entre o objeto conhecido, isto é, a realidade e nós próprios, em vista do que necessitamos compreender como conhecemos a realidade, para fortalecer estes elos. Devemos nos orientar para aprender sobre a realidade e sobre como a vemos.
A construção de conhecimentos demanda concepções e habilidades específicas
Observar a realidade, detectar informações, descrevê-las, estabelecer relações e interpretá-las para construir conhecimento, não constitui, porém, tarefa simples e que se promova facilmente – do contrário seria mais comum e não tão rara no contexto do trabalho. Depende de motivação entendimento e de concepções básicas, bem como do desenvolvimento de habilidades cognitivas que, infelizmente, têm sido descuidadas, até mesmo no contexto escolar, onde o objetivo principal seria a promoção do seu desenvolvimento.
Por outro lado, a ótica até agora vigente de enfrentamento do trabalho, dissocia o pensar do fazer, criando mecanismos a serem repetidos continuamente em todos os segmentos de trabalho, até mesmo no intelectual, centralizando o processo de pensar e tomar decisões (Ribeiro, 1989). Em vista desta situação, os trabalhadores e profissionais não têm sido estimulados e orientados a desenvolver tais conhecimentos e habilidades.
É importante observar que, apesar da falta desta estimulação, estas pessoas pensam e, quando solicitadas, têm apresentado contribuições fantásticas para suas organizações. Pensar é condição fundamental da existência humana, como afirmado por Descartes: “penso, logo, existo”.
É fundamental a integração entre a intervenção na realidade e a construção do conhecimento desse processo
Partindo do tradicional entendimento de separação de funções, segundo o qual a indústria transforma produtos, o comércio vende, os institutos de pesquisa produzem conhecimentos e as escolas os transmitem, a construção e a transmissão do conhecimento são consideradas como funções próprias destas instituições especificas e especializadas. Em decorrência, as organizações em geral e seus trabalhadores nada teriam a ver com o processo de construção e transmissão do conhecimento.
É fundamental, porém, compreender que esta visão fragmentada e fragmentadora da realidade, levada às suas conseqüências extremas, produz uma atitude e postura diante das situações de trabalho, que cerceia a produção de resultados significativos de qualquer esforço voltado para a construção da qualidade total. Os problemas são globais e dinâmicos, demandando uma visão crítica de quem nele interfere ou atua e, de modo que, ao produzir um resultado, reoriente a intervenção para uma nova realidade criada por este resultado. Tal prática promove a possibilidade de se gerar interpretações sobre a realidade, mais comprometidas com a sua transformação e, portanto, mais conseqüentes.
O desenvolvimento contínuo da competência está associado à construção do conhecimento no trabalho
Como apontado anteriormente, a aprendizagem e a construção de conhecimento profissional estão diretamente associadas à experiência no trabalho, uma vez que se constitui em processo de relação entre ser humano e realidade e, portanto, constitui em condição ímpar pela qual ele se torna sujeito pelo conhecimento de si em relação com sua realidade, pela compreensão da interação entre seu potencial, sua competência e seus efeitos e influência sobre o que faz, sobre a realidade e sobre si mesmo. Todavia, anos de serviço não significam necessariamente, a construção do conhecimento. Muitos profissionais apregoam possuir um elevado número de anos de experiência profissional, quando, no entanto, poderão ter, apesar dos muitos anos de trabalho, apenas uns poucos anos de experiência efetiva, uma vez que pode ocorrer comumente uma tendência de se trabalhar mecânica e rotineiramente, de que resultaria, por exemplo, um ano de experiência, seguido de uma série de outros, todos mais ou menos iguais, pela repetição dos mesmos padrões de trabalho, da mesma ótica, resultado de ausência de reflexão sobre o trabalho, os fatores a ele relacionados, os efeitos que promove e os processos nele envolvidos. Vale dizer, pela adoção de uma ótica de rotina aplicada ao trabalho.
Além desta limitação, acrescenta-se o condicionamento em geral promovido pela escola, que tende a enfatizar a reprodução de conhecimentos e não a sua construção, que dissocia o fazer do pensar e coloca comumente as pessoas como reprodutoras e contempladoras do conhecimento. Esta ótica é, aliás, reproduzida, em cursos de capacitação promovidos por empresas e organizações para “melhor” capacitar seus funcionários para o trabalho, onde, quando se adota o princípio do treinamento funcional para o exercício de funções e prática de tarefas, essa tendência é assumida com maior sofisticação. Além disso, estas, muitas vezes, promovem cursos cujo objetivo é o de treinar os funcionários em operações a serem realizadas de maneira acritica e mecânica, como se fossem fechadas em si mesmas.
Estas falhas relacionadas à construção do conhecimento e desenvolvimento de habilidades e atitudes podem ser compensadas por meio de programas e ações voltados para a promoção do desenvolvimento de pessoal por uma política e metodologia de capacitação em serviço pela qual se desenvolva o pensamento reflexivo associado ao ato de fazer em relação com seus efeitos. que, ao serem assumidos pelas empresas e organizações possibilitam aos funcionários contribuir para que as mesmas se constituam em empresas competitivas e caracterizadas pelo aproveitamento de oportunidades para o seu desenvolvimento (Wick e León, 1997). Porém, não basta isto. É importante que nelas se pratique uma ótica diferente no contexto organizacional, orientada não apenas pelo objetivo de obter resultados específicos de produção ou de prestação de serviço inovadores, mas também, o de aprender, de construir conhecimentos enquanto se trabalha. Compete também, portanto, mudar o enfoque de seus programas de capacitação, em geral, que poderiam melhor contribuir para os objetivos de desenvolvimento da organização, caso sejam orientados pela reflexão, de modo a tornar os trabalhadores sujeitos do seu trabalho e dos conhecimentos a ele relacionados. Para isso, é importante que a aprendizagem constitua em condição ativadora e acelerada de todos os avanços significativos das organizações e que trabalho e aprendizagem podem ocorrer simultânea e naturalmente no contexto das organizações.
A construção do conhecimento demanda registro e divulgação
É entendido, comumente, conforme antes indicado, que a produção do conhecimento, o seu registro e divulgação sejam tarefas próprias de profissionais especializados e, portanto, situados fora do contexto de trabalho das empresas e organizações. Estes profissionais seriam principalmente professores de instituições de ensino superior ou consultores. Não admira, pois, que se possa afirmar, muitas vezes que “na prática a teoria é outra”. Isto é, que se produza uma teoria distanciada das condições concretas do trabalho.
Estamos com falta de teorias centradas nas condições dinâmicas e dialéticas do mundo do trabalho em mudança e de seus processos que, dado seu caráter dinâmico, devem ser examinadas e entendidas pelas pessoas que dela fazem parte, que são aquelas capazes de realizar uma plena e ampla observação participante, mediante a qual poderão concomitantemente, desenvolver maior consciência de sua realidade, transformando-a, e contribuir para a construção de acervo de conhecimento centrada na realidade, de maneira que teoria e prática – o pensar e o fazer – se associem transformando-se reciprocamente. Estes profissionais desenvolveriam, desta maneira, uma consciência de participação e engajamento em relação ao trabalho, de vital importância para a prática da qualidade total, isto é, uma condição em que a realidade é vista sistemicamente e da qual o fazer refletido é o fio condutor e a melhoria contínua o objetivo aberto sempre buscado.
É fundamental, portanto, que as empresas e os profissionais interessados na promoção da melhoria da qualidade, como um efetivo processo contínuo de transformação, voltem-se para o desenvolvimento de habilidades e atitudes que lhes permitam, enquanto trabalham, produzirem conhecimentos sobre este processo e divulgarem estes conhecimentos de modo que se promova gradativamente, o desenvolvimento da qualidade, juntamente com a nossa independência tecnológica e autêntica vinculação com a nossa realidade. O registro e a divulgação desse conhecimento consistem em condição importante para a análise e aprofundamento do conhecimento, assim como da sua confrontação e teste em outros contextos e realidade.
Algumas orientações para a aprendizagem e construção do conhecimento no trabalho
A formação profissional em serviço, isto é, a ativação do desenvolvimento contínuo da capacidade de aprender no dia-a-dia do trabalho, deve, no entanto, ser abordada de maneira tão global quanto possível, a fim de que se possa obter uma representação a mais ampla e real possível do fenômeno explicado. Para tanto, deve-se promover a ativação de todos os elementos interferentes em sua formação, a saber:
1. Internacionalidade e atenção, isto é, a predisposição do orientador profissional a voltar-se para um determinado objetivo, a fim de compreendê-lo e explicá-lo cientificamente, bem como a canalização de suas energias mentais para realizar o objetivo.
2. Capacidade perceptiva, que corresponde à objetividade da captação dos processos, de maneira que sua representação seja tão próxima do real quanto possível.
3. Operações mentais, que envolvem, dentre outras, a análise, a síntese, a dedução, a comparação, a analogia, a exemplificação, a extrapolação.
4. Senso de temporalidade e contextualização, que corresponde à perspectiva temporal do momento e do processo em relação ao momento e ao seu contexto.
5. Julgamento moral, que analisa a justeza dos fatos e a ética das práticas.
Torna-se necessário, portanto, que o trabalho seja organizado e orientado para que em seu contexto os seus participantes ajam de modo a:
– Considerar toda situação de trabalho como circunstância de aprendizagem e oportunidade de construção de conhecimento;
– Desenvolver espírito aberto a experiências novas, aceitando desafios e riscos;
– Interessar-se por conhecer as coisas para além das aparências, buscando relações entre fatos, atos e processos;
– Aceitar contradições, tensões e conflitos como processos naturais da dinâmica social do trabalho, como condição para o desenvolvimento;
– Aceitar dificuldades e fracassos como oportunidades e desafios de aprendizagem e desenvolvimento e não como problemas;
– Observar os efeitos particulares e gerais de suas ações, bem como os de médio e longo prazo estabelecendo relações entre os seus diversos elementos;
– Desenvolver senso crítico sobre a realidade, o processo de produção e a natureza do trabalho, e sobre si próprio sobre seu desempenho e sobre todos estes elementos em interação;
– Analisar de forma aprofundada, problemas específicos do trabalho e a representação que fazem do mesmo;
– Suspender os pré-julgamentos e tendências à rotulação dos fatos, fenômenos e eventos, para poder compreender o seu significado, seus desdobramentos e repercussões;
– Assumir os conhecimentos adquiridos e vigentes sobre o trabalho e a realidade, como orientadores provisórios de ação e não como leis e normas inquestionáveis e definitivas;
– Partilhar com colegas de trabalho, em caráter de reciprocidade, informações, idéias, opiniões sobre a sua problemática, de modo a melhor entendê-la e melhor agir sobre ela;
– Orientar-se pelo máximo aproveitamento do potencial humano em circunstância de trabalho.
– Manter registros sistemáticos sobre suas observações e refletir sobre o significado do seu conteúdo continuamente.
– Integrar de quando em quando os resultados dessas reflexões, produzindo e divulgando os respectivos documentos;
– Usar criticamente e criativamente o que aprendeu, com atitude de testar e desenvolver ainda mais essa aprendizagem;
– Estabelecer um plano de aprendizagem e construção de conhecimento, fazendo uma lista dos aspectos a serem focalizado, para um período determinado de tempo.
Além das orientações acima apontadas, é fundamental que o profissional trabalhe orientado de modo a pôr em prática e desenvolver certas atitudes e habilidades fundamentais:
– atitude de aprender a aprender,
– curiosidade e independência intelectual,
– atitude de observação,
– aceitação de erros,
– espírito crítico e criatividade,
– habilidade de organização e sistematização de idéias,
– capacidade de problematizar,
– observação criteriosa,
– disciplina e organização mental,
Destes aspectos, a fim de promover uma ação concreta, pode-se tomar como ponto de partida a capacidade de problematização, que consiste na identificação de uma questão ou pergunta que procura desvelar aspectos subjacentes em uma dada realidade. A problematização estabelece um interesse por revelar o escondido e, por isso, indica um espírito crítico que não se satisfaz com as aparências e o senso comum. Tal espírito nos conduz a fazermos perguntas continuamente, como por exemplo:
– Como é esta situação?
– O que está por trás dela?
– Como os elementos que dela fazem parte se associam?
– Que fatores estão nela interferindo?
– O que resultará com ações alternativas?
Estas são algumas das muitas questões que podem ser apresentadas a qualquer situação do cotidiano e que permitiriam revelar uma compreensão dos seus fenômenos e, dessa forma, superar o seu caráter rotineiro e repetitivo. Enfim, o fundamental é que profissionais e organizações estejam continuamente fazendo novas perguntas sobre o seu fazer e, a partir da observação e reflexão estimuladas por essas perguntas, construam um processo aberto de construção do conhecimento, como base para a contínua melhoria profissional e organizacional.

Siga-nos facebook

marcador-localOnde Estamos

Av. Cândido Hartmann, 528 cj. 63 Curitiba – Paraná - 80730 – 440

telefoneFone/Fax
041 3336-4242


©2013 - Todos os direitos reservados