É facilmente observado que o processo ensino-aprendizagem é muitas vezes simplificado, a partir de reduções contínuas do seu processo a decisões sobre conteúdo e passos operativos de controle de alunos e transmissão de conhecimento. Tal condição ocorre tendo em vista um conjunto de aspectos históricos e limitações, que envolvem a formação dos profissionais de Educação, a organização curricular praticada desde longa data, a organização e a gestão de sistemas de ensino e das escolas, dentre outros.
Nesta série de artigos, nos ateremos às questões da sala de aula, de responsabilidade direta dos professores e e indireta dos gestores pedagógicos da escola. Esses profissionais contribuem para a elevação ou para manutenção e até mesmo a deterioração da qualidade da aprendizagem dos alunos, a partir de suas compreensões e competências sobre o significado, abrangência e complexidade do processo ensino aprendizagem necessário a fim de que alunos ao aprenderem estejam alcançando níveis cada vez mais elevados de formação mediante novas competências pessoais.
Cabe reconhecer que a complexidade real do processo ensino aprendizagem é maior do que a que se pode facilmente visualizar e compreender. Trata-se de um processo intricado e dinâmico, por envolver, de forma interativa, inúmeros aspectos, elementos, fatores das mais diversas ordens, como os biológicos, sociológicos, psicológicos, filosóficos, além dos pedagógicos, examinados por idéias e concepções diversos. A manifestação de todos eles, em múltiplos desdobramentos, variando em natureza, abrangência e profundidade, aponta para o fato de que o processo ensino-aprendizagem é amplo, demandando, portanto, do educador, um esforço contínuo e constante no sentido de compreendê-lo de modo a promover as melhores orientações e ações, que ocorrem na medida em que se assentem sobre competências igualmente abrangentes desses profissionais.
Dentre os elementos e aspectos mais evidentes do processo ensino-aprendizagem, a serem compreendidos pelos profissionais e gestores da escola destacam-se:
a) os alunos, com seu contexto sócio-econômico-cultural, suas necessidades e motivações pessoais, suas condições físicas e de saúde e experiências sociais; seu estágio de desenvolvimento pessoal e seu histórico de aprendizagem.
b) os professores, com seus valores, sua formação, seus conhecimentos, habilidades e atitudes, suas expectativas quanto à aprendizagem e desenvolvimento dos alunos e ao próprio trabalho docente para essa promoção, a natureza de sua experiência profissional, o nível de comprometimento com seu trabalho e sensibilidade em relação aos alunos como pessoas;
c) condições físicas e materiais da escola, qualidade de seu espaço físico, variedade das estimulações pedagógicas ofertadas e uso dos equipamentos e materiais disposição;
d) cultura e clima organizacional da escola, que traduz a sua orientação no trabalho cotidiano e o seu modo de ser e de fazer, que vai desde os ambientes mais burocratizados e autoritários, até os informais e livres de orientações claras e seguras;
e) formas e características de liderança e gestão escolar exercida pela direção e equipe pedagógica da escola, que em grande parte, mas não completamente determina a cultura e clima organizacional da escola;
f) o envolvimento dos pais no acompanhamento da aprendizagem pelos filhos e da comunidade na estimulação para a sua aprendizagem, que se assenta sobre a comunicação e integração entre pais e escola.
Por esses e muitos outros aspectos, o processo ensino-aprendizagem é, portanto, um trabalho complexo que envolve e exige múltiplas responsabilidades. Ele depende, portanto, de um grande conjunto de habilidades, conhecimentos e atitudes do professor, a fim de que possa, a cada momento, no desenrolar de suas aulas, tomar decisões e aplicá-las em ações bem orientadas e informadas, a partir de uma visão de conjunto de todos os elementos que interagem no processo. O trabalho do professor envolve, desse modo, habilidades de gestão pelas quais se torna capaz de articular os elementos interatuantes no ambiente pedagógico, de modo que possa orientar de forma efetiva a aprendizagem de seus alunos.
A atuação do professor na determinação do que e como o aluno aprende
Destaca-se que de todos os elementos que interagem no processo ensino-aprendizagem, o professor desempenha um papel preponderante, uma vez que é a pessoa diretamente responsável por interpretar todos esses elementos, a partir de sua interpretação da vida, significado e direção que atribui ao que acontece na interação professor – aluno – conhecimento – processos mentais, e pelas decisões lógicas ou emocionais que toma. Ao fazê-lo, ele determina como, quanto e o quê o aluno aprende não apenas no momento presente, mas também estabelece a possibilidade de ganhos maiores em relação a futuras aprendizagens. Vale dizer que o professor, ao trabalhar o processo ensino-aprendizagem necessita ter em mente que a aprendizagem é um processo articulador entre aprendizagens passadas e aprendizagens futuras, conforme foi explicitado por Ausubel ( Ausubel, Novak e Hanesian, 1983).
Tendo como pano de fundo a postulação de Ausubel sobre a aprendizagem (Ausubel, Novak e Hanesian, 1983; Moreira, 1999) cabe destacar algumas questões a serem consideradas pelo professor na gestão do processo ensino-aprendizagem:
a) Aprendizagens anteriores são a chave para futuras aprendizagens.
b) Assim como a estrutura prévia orienta a assimilação de novas aprendizagens, estas também influenciam o conteúdo do conhecimento já armazenado, mediante uma interação evolutiva de dupla mão entre as novas e as aprendizagens anteriores.
c) A aprendizagem significativa se processa a partir do estabelecimento de conexões entre o que o aluno conhece e novas aprendizagens.
d) Bons métodos didáticos são aqueles em que o professor envolve o aluno em um processo de reflexão sobre a relação entre o que já conhece e os novos objetos de aprendizagens.
e) Bons professores são aqueles que continuamente procuram compreender o que sabem e o que pensam os alunos a respeito do objeto de aprendizagem em que estão envolvidos.
f) A aprendizagem é um processo de interpretação de significados.
g) Aprendizagens estanques, fragmentadas e isoladas em blocos são efêmeras, mecânicas e se perdem.
h) Quando os alunos não possuem referências anteriores a respeitos de novos objetos de aprendizagem cabe ao professor estabelecer pontes que permitam aos alunos fazer a passagem e transitar sobre essa nova área.
O trabalho de gestores escolares em relação ao trabalho dos professores
O modo de ser e de fazer do professor é determinante do que acontece na sala de aula e consequente aprendizagem dos alunos e promove a constituição do currículo real praticado na escola para orientar a formação dos alunos e sua aprendizagem.
Verifica-se, no entanto, dentre os orientadores pedagógicos e gestores escolares, um descuido com relação a este aspecto, quando se preocupam de forma acentuada com o currículo formal e o projeto pedagógico da escola, assim como com a habilidade do professor em escrever planos de ensino e de aula, descuidando-se, no entanto, de suas habilidades de tomada de decisão e gestão pedagógica do processo ensino-aprendizagem, isto é, em como traduzem aquelas proposições em ações promotoras da aprendizagem e desenvolvimento dos alunos.
Não se deve estranhar, portanto, que bons currículos, planos e projetos não têm garantido a melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem e melhores resultados na aprendizagem discente. Verifica-se que os objetivos reais, os procedimentos e atividades, as características da orientação do processo ensino-aprendizagem ocorrem, em grande parte, a partir das percepções e orientações do professor à dinâmica do momento, sem uma orientação conceitual articulada e consistente sobre o processo de aprendizagem e sua complexidade e dinâmica. Por outro lado, é possível identificar que há casos em que os professores não saem dos seus planos, na realização do seu trabalho e desconsideram inteiramente a dinâmica e o processo social em andamento na sala de aula, deixando, dessa forma, de envolver os alunos como pessoa, no processo de aprendizagem.
O professor é o filtro que lê e dá significado a todos os elementos envolvidos no processo pedagógico, a partir do quê direciona suas ações, escolhe materiais, determina procedimentos, comportamentos e gestos. Portanto, sua competência, suas expectativas, sua formação, seus valores, suas atitudes são fatores importantes na determinação de quanto, como e o que o aluno aprende. Desse modo, é fundamental que esses aspectos sejam levados em consideração na determinação da qualidade do processo ensino-aprendizagem e que os gestores escolares atuem em apoio e orientação do professor na realização desses processo em sala de aula.
Voltando ao professor e às idéias que orientam suas decisões
Apesar de os múltiplos aspectos do processo ensino-aprendizagem exigirem uma ação consciente e continuamente atenta às múltiplas expressões que ocorrem na sala de aula, não é incomum que os professores tomem decisões, em grande parte, orientados pelo senso comum, conhecimentos superficiais e na busca de obter soluções imediatistas de caráter comportamental externo por parte dos alunos. É possível observar, muitas vezes, que boas teorias e padrões elevados de desempenho expressos pela escola são apenas parte das formalidades dos projetos pedagógicos da escola, mas não das práticas nas salas de aula.
Nesse contexto, as decisões tomadas pelos professores para orientar suas ações, são em geral limitadas, do ponto de vista das necessidades educacionais dos alunos, para inserir-se na sociedade brasileira, que se encontra em contínua mudança para fazer face à sociedade global, do conhecimento, da comunicação e da tecnologia (Gracindo e Kensky, 2001). Muitas vezes, essas decisões assumem um caráter remedial, focalizado em problemas comportamentais e disciplinares, sem consideração à perspectiva formativa e desenvolvimentista dos alunos (Lück, 1990).
Adotamos a perspectiva do professor como líder de um processo de estimulação e encorajamento dos alunos como sujeitos ativos no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, o que é realizado de modo aberto e flexível, apesar de estruturado e organizado, em que os alunos sentem-se à vontade para participar, fazer perguntas, apresentar idéias, ensaiar pontos de vista, etc. Portanto, um tal processo demanda, necessariamente, construir na sala de aula um espaço de negociação e adotar uma perspectiva de contínua tomada de decisão a respeito do melhor encaminhamento, a partir de cada nova situação emergente.
Sabe-se que o hábito do professor de analisar os aspectos que emergem em seu trabalho pedagógico, seu hábito em questionar continuamente a relação entre as ações adotadas e seus resultados constitui-se em uma prática altamente positiva no desenvolvimento da competência profissional docente. Dessa prática fazem parte reflexões em torno de certas questões fundamentais: que objetivos foram realizados e com que intensidade? Que objetivos deixaram de ser realizados? Que ações têm sido mais efetivas e quais não estão sendo? Por quê? Como estão reagindo os alunos? A partir de que ações e comportamentos os alunos são mais ativamente envolvidos no processo ensino-aprendizagem e tiram melhor proveito dele?
Adotando-se uma perspectiva analítica de estudo desses aspectos, é possível, ao mesmo tempo, desenvolver a competência docente e a capacidade de tomada de decisões, de modo a desenvolver o potencial de melhor desempenho futuro, assim como melhorar o presente. Dessa forma pode-se contribuir para aumentar o valor e a importância do ambiente imediato de aprendizagem e suas experiências; enriquecer o currículo escolar, como o conjunto das experiências educacionais promovidas pela escola e, em suma contribuir de maneira mais significativa para a formação e aprendizagem dos alunos.
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